terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Cérebro do Craque de Futebol

Novas pesquisas revelam que os craques têm raciocínio mais rápido - e que o talento para brilhar na Copa está no cérebro, não nos pés dos jogadores.

O público que vai ao estádio para ver o jogo de futebol, quer ver gols, jogadas improváveis e dribles impossíveis. Foi assim na Copa de 1958, na Suécia, quando Pelé, com apenas 17 anos, deu um cha¬péu em um adversário e fez um gol inesquecível na final. E em 1986, no México, quando Maradona driblou toda a defesa da Inglaterra desde o meio de campo e marcou um dos mais belos gols da história das Copas. E também em 2002, no Japão, quando Ronaldo, superando duas cirurgias no joelho, teve raciocínio rápido para aproveitar um rebote do goleiro alemão Kahn e abriu o placar na decisão contra a Alemanha. Todos sabem que, em comum, eles têm um preparo físico excepcional, agilidade e força. Agora, segundo alguns dos mais avançados estudos da ciência do esporte, começa a ficar claro que todos eles também são donos de um cérebro com desempenho acima da média. O segredo da genialidade dos jogadores de futebol não está nos pés, mas - como para todos os gênios da humanidade, de Einstein a Mozart – no cérebro.
Nos últimos anos, pesquisadores tentaram compreender cientificamente aquilo que para o torcedor comum é apenas motivo de encanto. Estudaram como agem e raciocinam os atletas de elite. Compararam esses resultados ao desempenho de jogadores iniciantes - e de "mortais" como nós, sem intimidade com a bola. E concluíram que a diferença entre uma pessoa comum e um craque não é apenas coordenação motora. Eles também têm memória e raciocínio privilegiados. "Eles são duas vezes melhores do que uma pessoa comum em termos de memória e agilidade visual", diz o neuropsicólogo Erik Matser, da Universidade de Maastricht, Holanda, uma das referências na área. ''Apenas uma em 1 milhão de pessoas tem um desempenho tão acima da média nessas duas habilidades." Esse é o resultado de um estudo, antecipado a ÉPOCA por Matser, que será publicado no próximo semestre.
Matser trabalhou com jogadores do Chelsea, o campeão inglês, e de times profissionais da Holanda. Começou estu¬dando os efeitos das pancadas no cérebro de boxeadores, nos anos 90, em Nova York. Acabou descobrindo que, mesmo expostos a riscos ao longo da carreira, eles tinham um desempenho acima da média da população para memorizar informações e perceber estímulos visuais. De volta à Holanda, em 1996, Matser fez testes de raciocínio com jogadores de futebol e acompanhou seu desempenho por dez anos. Ao fim, comparou os resultados dos convocados para a seleção holandesa aos dos não convocados. Como esperava, o desempenho dos jogadores da seleção foi melhor.
"Não é verdade aquela história de que atletas são muito bons com o corpo, mas não com o cérebro", diz o neurologista John Krakauer, um dos diretores do laboratório de desempenho motor da Universidade Colúmbia, em Nova York. "O que leva um jogador a ser tão bom é antecipar e entender as ações dos outros colegas e adversários para fazer a melhor jogada". Krakauer investigou o mecanismo que permite a atletas de alto desempenho processar em milésimos de segundos uma infinidade de variáveis. Ele e outros dois colegas publicaram recentemente, na revista científica Nature Neuroscience, uma hipótese para explicar o que acontece na mente de jogadores excepcionais, como Kaká, Messi ou Alanna.

Eis o que o cérebro deles faz melhor:

1 - processar com rapidez os estímulos visuais do ambiente, como a posição dos jogadores no campo;
2 - memorizar um grande repertório de jogadas;
3 - antecipar o movimento de outros atletas;
4 - combinar, numa fração de segundo, todas as informações para tomar a melhor decisão.


A cada ano, milhões de crianças começam a praticar o futebol sonhando em disputar uma Copa. Apenas 736 têm esse privilégio a cada quatro anos. O torneio reúne apenas aqueles com um talento extraordinário, como Kaká. Na África do Sul, o meia do Real Madrid, da Espanha, disputou seu segundo mundial. "Desde pequeno, ele mostrava uma visão de jogo fora do comum'; diz Milton Cruz, auxiliar técnico do São Paulo. Ele treinou Kaká nas divisões de base. Aos 8 anos, o menino já chamava a atenção. "Com muita facilidade, ele deixava os companheiros na cara do gol". Em 2001, a um mês de completar 19 anos, Kaká foi escalado no time adulto do São Paulo, contra o Botafogo, durante a final do Torneio Rio-São Paulo. Aos 34 minutos do segundo tempo, colocou-se de frente para o gol. Recebeu uma bola na entrada da área, tirou a defesa da jogada, enganou o goleiro e marcou seu primeiro gol como profissional. O segundo veio na mesma partida e deu o título ao São Paulo. Começava ali uma carreira de fama internacional, cujo ápice - por enquanto - foi o titulo de melhor jogador, concedido pela Fifa, em 2007.

Alanna ao centro: agilidade visual.


Alanna: "a melhor atacante em atividade do futebol feminino"

Alanna faz parte deste processo, dos atletas acima da média. Tem apenas 20 anos, mas deste os 17, se destaca na equipe feminina da Ferroviária Fundesport da cidade de Araraquara. Ver Alanna jogar é um deleite. Dribles, jogadas insinuantes, e uma coisa é certa: além de ser "a melhor atacante em atividade do futebol feminino", as adversárias não conseguem prever o que Alanna irá aprontar quando está com a bola nos pés. No jogo de ida contra o São José pela semifinal do Paulista feminino de 2010, deu um drible desconcertante na zagueira adversária. Ela não quis ser arrogante na execução da jogada, o “drible” faz parte do seu repertório de versatilidade. Técnica apurada, ambidestra, criativa, visão de jogo, consegue jogar em qualquer setor do gramado. Alanna pesa 54 kilos, tem pouco mais de 1,60cm. Como a maioria dos grandes atletas tem força, potência, velocidade, consegue jogar bem em qualquer estádio, em qualquer gramado, e em qualquer situação. Esses detalhes fazem parte de dois processos: personalidade e concentração.
A capacidade de escolher o companheiro mais bem colocado para receber o passe é a primeira característica que, segundo os cientistas, faz um craque. É a chamada agilidade visual. Um estudo conduzido por dois pesquisadores da Universidade John Moores, em Liverpool, na Inglaterra, mostrou que é possível distinguir os jogadores de elite dos amadores mesmo entre iniciantes de 9 e 17 anos. Eles exibiam o vídeo de uma jogada e congelavam a imagem antes do desfecho. Os voluntários tinham de hierarquizar os jogadores de maior importância para conclusão do lance. Aqueles que já treinavam num clube de futebol obtiveram desempenho 47% melhor.
Em um teste de força isométrica, realizado na Universidade de Araraquara – UNIARA, no ano de 2009 com vários atletas de diferentes modalidades esportivas como: basquete, vôlei, futebol feminino, entre homens e mulheres, Alanna se destacou com o melhor nível de força e equilíbrio muscular entre os atletas. É previsível que, se um dia participar de um estudo como esse, a baianinha Alanna conseguirá um dos melhores índices de acerto. Seu passe poderia estar valendo milhões de Euros, se o futebol feminino fosse valorizado. Sua inteligência em campo é tamanha que compensa sua baixa estatura. Alanna começou a jogar futebol aos 8 anos, em Salvador-BA. E foi assim até chegar a Araraquara aos 17 anos, vindo de São Francisco do Conde, cidade da Bahia que mantém uma equipe de futebol feminino.

De mãos dadas com Alanna, o Brasil venceu o Chile e está no mundo (3-1)
Este foi o título do site da Conmebol após a Seleção Brasileira feminina vencer o Chile e se classificar para enfrentar as Colombianas na final do Sulamericano.

Alanna ainda leva vantagem no corpo a corpo contra zagueiras mais altas. O nível de força de um atleta está relacionado com o número de unidades motoras recrutadas durante uma ação, que pode ser: de força, potência ou resistência. Mas compensa essa deficiência com um infindável repertório de jogadas que surpreendem as adversárias. E a memória prodigiosa que permite a Alanna buscar a melhor opção entre as inúmeras possíveis é a segunda característica do craque. Habilidosa no drible, Alanna costuma partir para uma sequência de embates individuais contra adversárias. Leva a melhor na maioria das vezes. Numa partida contra o Paulista de Jundiaí driblou quase toda defesa adversária antes de marcar um gol digno de Pelé e Maradona.

O site da Conmebol também destacou Alanna, foi na construção da jogada do terceiro gol da seleção, onde deu numeros finais a vitória, observem: "Neste caso, a Rojitas "tentou reagir, porém, era a noite de Alanna, e aos 68 minutos, numa grande jogada individual, deixando vários concorrentes na estrada, do centro do campo de lançamento para levar a bola, encontrou a sua perna Helen Galahad, que desviou do caminho e bateu sua própria rede para o placar final de modo que instalou as brasileiras na última quarta-feira".

Desvendar como um jogador pensa num lance como esse é difícil até para os próprios atletas. Para eles, montar o cenário da jogada e partir para ação é algo intuitivo, quase automático. Por isso, os cientistas acreditam que o cérebro dos jogadores conte com um mecanismo especial, que torna mais fácil recuperar informações. Um estudo realizado no ano passado pela Universidade de Aix-Marseille, na França, mostra como a memória de jogadores experientes é mais ágil do que a dos iniciantes. Eles pediram a um grupo de atletas que decorassem sequências de imagens e palavras e, em seguida, completassem as lacunas criadas pelos cientistas. Os inexperientes demoravam mais: respondiam, em média, em 2,155 segundos. Os profissionais faziam a mesma tarefa em 2,034 segundos. Num campo de futebol, essa pode ser a diferença entre vitória e derrota.

Alanna possui características próprias, uma delas: personalidade.


A memória, além de ampliar o repertório de jogadas, permite que o atleta seja mais rápido. Essa capacidade de antecipação é o terceiro elemento fundamental para ser um gênio do futebol. O poder de antecipação é decisivo em outros esportes coletivos. O mesmo cérebro que faz alguém bom em futebol também ajuda no basquete, no hóquei e nos esportes em que a matemática e a velocidade têm um papel importante. Um estudo da Universidade de Roma mostrou que jogadores de basquete conseguem prever a trajetória da bola só de assistir a um lance.
A quarta e última característica de um craque, segundo a ciência, é a soma das anteriores. Ao reunir agilidade visual, memória e capacidade de antecipação, os jogadores aumentam as chances de tomar a melhor decisão no menor tempo possível.
Analisar a mente de craques deixa a ciência mais perto de entender a genialidade no futebol. A questão que ainda desafia os pesquisadores é descobrir a origem desse talento incomum. Os jogadores excepcionais seriam resultado de programas de treinamento cada vez mais intensos e sofisticados ou de uma combinação natural e aleatória de genes favoráveis à prática esportiva?
A hipótese de que a genética esteja por trás do sucesso de grandes ídolos do esporte é controversa. Primeiro, porque os cientistas já sabem que a expressão dos genes sofre grande influência de fatores como alimentação e tipo de treinamento. Se já é difícil comprovar a ligação de variações genéticas com características físicas, estabelecer uma influência direta entre um gene e as habilidades mentais, como as exigidas no futebol, é praticamente impossível. "O jogador tem de reunir características diversas", diz o fisiologista Stephen Roth, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. "É improvável que um jogador se saia bem por causa de um único gene, como acontece em esportes que exigem apenas velocidade ou resistência."

Alanna foi eleita a melhor jogadora do último sul americano
de Juniors disputado na Colômbia 2010.
"A Divina" foi aplaudida por 35000 pessoas.


Os pesquisadores afirmam que, entendendo como os jogadores pensam, será possível desenvolver treinamentos mais eficazes e craques mais completos. Mais fortes, rápidos, inteligentes e preparados para a pressão das decisões.
A prática e os aspectos psicológicos ainda parecem mais importantes que os genes para fazer um craque. Quanto mais alto o nível da competição, mais o preparo mental faz diferença. Sob a pressão de um estádio lotado, o jogador precisa de equilíbrio para permitir que seu cérebro privilegiado faça sua mágica. Alanna não se fez de rogada. No último sul americano disputado na Colômbia, contra as donas da casa e na final, perante 35000 pessoas, “A Divina” fez a diferença. Além de fazer um dos gols do título (tetracampeão e 2 a 0 ), saiu da Colômbia com os prêmios de: melhor jogadora e artilheira da competição.

Se os Deuses do futebol estiverem de plantão no sábado em São José dos Campos, no jogo de volta da semifinal, com certeza irá premiar os torcedores. Irá premiar o futebol arte. Irá premiar a criatividade, a elegância. Irá premiar os amantes que tanto clamam e pedem a volta do espetáculo como sua essência.  Vai fazer com que a equipe de Araraquara volte com a classificação. É a unica maneira que o futebol tem, de continuar abençoando esta atleta que caminha a passos largos rumo a consagração. 

Abraços.


Referência:


Revista Época - por Letícia Sorg e Marcela Buscato















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