segunda-feira, 19 de julho de 2010

Treinamento em Futebol Parte I.

Treinamento é definido pelo Dicionário de Educação Física e Esporte como a repetição sistemática de tensões musculares dirigidas, com fenômenos de adaptação funcional e morfológica, visando à melhora do rendimento. É todo programa pedagógico de exercícios que objetiva melhorar as habilidades e aumentar as capacidades energéticas de um indivíduo para uma determinada atividade, ou seja, uma adaptação do organismo aos esforços físicos e psíquicos. As adaptações que ocorrem são específicas do sistema solicitado.
Carvalhal (2004) difere duas concepções de treino no futebol: “há dois tipos de treino com bola; o integrado e o sistêmico. No primeiro a bola esta presente, mas de forma subordinada ao Modelo de Jogo. Nós preconizamos o outro gênero, em que a bola esta presente desde o primeiro, segundo dia de trabalho com o intuito de modelar os jogadores, coletiva e individualmente, a nossa forma de jogar. E mesmo quando ele não está presente o nosso objetivo é sempre a nossa forma de jogar. Deste modo é difícil definir qual ou quais as variáveis mais importantes a estudar a fim de se conhecer o sucesso ou insucesso de uma equipe
No Brasil existe uma concepção do treino que está bem definida, que é treinar de forma analítica, potencializando o desempenho de cada atleta independente da função que exerce dentro da equipe. A interpretação do treino é singular e esta de acordo não só com o conhecimento do treinamento do futebol, mais tem muito a ver com sua personalidade. Essas diferenças podem assumir capital importância para a reflexão e estudo, desde que questionadas e esclarecidas.
A lógica interna do treino e jogo é o produto da interação contínua entre os princípios do regulamento e a evolução das soluções práticas encontradas pelos jogadores, decorrentes das suas habilidades táticas, técnicas e físicas (Deleplace, 1979). Para Teodorescu (1983), a relação da lógica didática com a lógica interna do jogo é uma das tarefas mais importantes e mais complexas que se colocam ao nível dos JDC. A análise do jogo se deve processar a partir da estreita relação entre o conteúdo do jogo e a estrutura da atividade, expressos no desempenho individual e coletivo.
O professor Walmir Cruz quando exercia o cargo de preparador físico no Corinthians, foi entrevistado pelo site universidade do futebol no dia 10/07/2009, e respondeu várias perguntas para o site e uma delas me chamou a atenção, que será aqui reproduzida na integra.
Universidade do Futebol – O Daniel Portella, fisiologista do clube, comentou sobre o bom trânsito entre os departamentos e a comissão técnica. Ele disse que o Mano Menezes, invariavelmente, os consulta para determinar um tipo de treino, o planejamento da semana, ou mesmo uma escalação. Como funciona isso?
Walmir Cruz – O Mano já foi preparador físico. Então, ele tem um embasamento em termos de treinamento e sempre possibilita uma abertura muito boa para a gente.
Conseguimos introduzir nossos treinamentos tendo a referência dele, encaixando a periodização de nossos trabalhos. Logo no início da semana, passamos os tipos de atividades que serão aplicadas e discutimos carga de intensidade e volume, aliados à prática tática e técnica dele.
As coisas fluem dessa forma. Com os resultados aparecendo, melhor ainda. E com o time sendo campeão, então, uma maravilha!
O Mano diz uma frase interessante: “não vou falar de preparação física, porque do seu cargo é você quem tem que saber. Assim como em relação à parte tática, sou eu quem faz”. Não costumamos misturar as situações, e o projeto vem sendo bem realizado.
São linhas de pensamento complexas em comissões técnicas diferentes trabalhando em times considerados de ponta no Brasil. Observem o caso da Comissão técnica comandada por Jorge Fossati e Alejandro Valenzuela do Internacional de Porto Alegre no primeiro semestre ano de 2010.
O trabalho era direcionado para o físico técnico, ou físico tático onde englobava as capacidades. A seguir trechos da entrevista de Valenzuela ao jornal Zero Hora de Porto Alegre no dia 04/05/2010.
Preparador físico desabafa e reclama dos brasileiros do Inter.
Alejandro Valenzuela diz que os jogadores não entendem o que ele fala:
“Não consegui fazer com que os jogadores acreditassem no meu trabalho", lamenta Valenzuela.
É o próprio Alejandro Valenzuela, o preparador físico do Inter, quem admite: o time tem caído de rendimento no segundo tempo. Aos 45 anos, o profissional, que acompanha Jorge Fossati há quase duas décadas, revela seu desapontamento com a resistência dos jogadores em aceitar e entender o trabalho implantado no Beira-Rio. Valenzuela se queixa de que muitos deles não levam a sério a sua forma de aplicar a atividade diária.
Em entrevista concedida a ZH durante 30 minutos no gramado suplementar do Beira Rio um dia após a perda do título gaúcho ao jornalista Leandro Behs, o uruguaio falou em tom de desabafo. “Não esperava encontrar tamanha dificuldade por parte dos brasileiros do grupo. A língua poderia ser entrave. Mas até no Catar não houve tamanho obstáculo”.
- Eu falo e, quando olho para eles, sinto que não entenderam 50% ou 60% do que disse — lamenta. Nem todos encararam o trabalho com a entrega que Valenzuela queria. Suspeita que os brasileiros, por serem naturalmente talentosos, não se dediquem tanto aos treinos. Como o seu trabalho e o de Fossati são integrados, os treinos físicos são realizados com bola. Como na escola europeia, valoriza espaços reduzidos — e isso não estaria sendo bem aceito pelo grupo. “Acho que ainda não entenderam que eu e Fossati trabalhamos a tática e o físico juntos”. A seguir a pergunta do jornalista na integra.
ZHMas isso não pode ser exigido dos jogadores? Uma dedicação maior?
Valenzuela — (suspiros) Estou chateado. Não consegui fazer com que os jogadores acreditassem no meu trabalho. Comprassem a ideia. Só sei que a parte psíquica, com a qual eu sempre trabalhei, a parte motivacional, não foi entendida até agora. Trabalhei em diversos países, e até no Catar. Eles falam árabe. Lá, treinava com um tradutor ao meu lado. Eu era totalmente compreendido. No Catar, me entende?
A assessoria de imprensa do Internacional se pronunciou a respeito da reportagem, mais já estava feita. Tentaram mudar o que o profissional havia dito na entrevista, que tinha sido apenas um bate papo, mais depois da derrota para o Vasco em São Januário pelo placar de 3X2 a comissão técnica de Jorge Fossati foi demitida.
Élio Carravetta, coordenador de preparação física do Internacional em recente entrevista ao site universidade do futebol quando perguntado sobre a passagem de Fossati e sua comissão, respondeu da seguinte forma:
Universidade do Futebol – Para esta temporada, o Internacional contratou o treinador uruguaio Jorge Fossati, que teve ótima passagem pela LDU, do Equador. Ao lado dele, o compatriota Alejandro Valenzuela assumiu a preparação física do time principal. Como foi essa experiência com ambos antes do retorno do Celso Roth?
Élio Carravetta – Eu tenho um conceito de treinamento esportivo e o coloco desta forma: é um processo continuado de ensino-aprendizagem e tem como finalidade modificar alguns comportamentos integrados. Temos componentes técnicos, táticos, físicos, psicológicos, sociais, relacionais, afetivos, cognitivos. E há um muito importante, que é o cultural.
No momento em que qualquer profissional entra em uma nova cultura, ele tem de se adaptar à mesma. É mais fácil ele efetuar esse processo, do que todos os outros já inseridos se moldarem de maneira inversa.
Esses intercâmbios existem dentro de um processo de globalização, mas há uma cultura definida no próprio clube. E o professor Fossati, por mais que tenha explicitado suas qualidades, que são muitas, encarou dificuldades nessa questão.
O futebol não é só dentro de campo, e há necessidade de uma adaptação à cultura, à metodologia de treinamento própria do Brasil. O processo de aprendizagem é gradativo, e requer tempo. Infelizmente não houve êxito no Inter.
O mesmo vale para o Valenzuela, que apresentou uma proposta de treinamento diferente. Não estou julgando se é boa ou má, nem que não tenha tido aceitação do grupo de jogadores, mas ela encontrou dificuldades de ser inserida. Prefiro não comentar muito sobre esse tema.
Com está resposta, Carravetta resumiu a linha de pensamento do professor Valenzuela em sua entrevista ao jornal ZH de Porto Alegre.
No futebol existe a necessidade de interpretar os dados recolhidos em função das características específicas do país, dos atletas e da metodologia, o que tem levado os investigadores a focalizarem cada vez mais a sua atenção na relevância contextual dos comportamentos dos atletas, o que justifica o estudo do jogo como um todo. As equipes devem se caracterizar por sua identidade, por uma concepção do técnico do que seja treinar e jogar em termo coletivo e individual.
A esse respeito Luís Freitas Lobo no prefácio do livro A justificação da periodização táctica como uma fenomenotécnica diz: “Gosto de conceber as equipes como seres vivos. Com um processo de nascimento e crescimento muito próprios, específicos, cada qual com a sua personalidade. Nascem, vivem e morrem. E assim sucessivamente. Cada qual com a sua impressão digital. Futeboliísticamente humana. É a construção dessa personalidade, do seu código genético, que me fascina. Dar a onze jogadores o mesmo DNA. No embalar desse berço um homem. O treinador. Treinar é, no fundo, dar personalidade a um coletivo. Até ele ser singular”.
Abraços.

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